domingo, 25 de novembro de 2012
CONTOS
Medo da Eternidade
Jamais esquecerei o meu aflitivo e dramático contato com a eternidade.
Quando eu era muito pequena ainda não tinha provado chicles e mesmo em Recife falava-se pouco deles. Eu nem sabia bem de que espécie de bala ou bombom se tratava. Mesmo o dinheiro que eu tinha não dava para comprar: com o mesmo dinheiro eu lucraria não sei quantas balas.
Afinal minha irmã juntou dinheiro, comprou e ao sairmos de casa para a escola me explicou:
-Como não acaba? - Parei um instante na rua, perplexa.
-Não acaba nunca, e pronto.
-Eu estava boba: parecia-me ter sido transportada para o reino de história de príncipes e fadas. Peguei a pequena pastilha cor-de-rosa que representava o elixir do longo prazer. Examinei-a, quase não podia acreditar no milagre. Eu que, como outras crianças, ás vezes tirava da boca uma bala ainda inteira, para chupar depois, só para fazê-la durar mais. E eis-me com aquela coisa cor-de-rosa, de aparência tão inocente, tornando possível o mundo impossível do qual já começara a me dar conta.
-Com delicadeza, terminei afinal pondo o chicle na boca.
- E agora, que é que eu faço?- perguntei para não errar no ritual que certamente deveria haver.
-Agora chupe o chicle para ir gostando do docinho dele, e só depois de passar o gosto você começa a mastigar. E aí mastiga a vida inteira. A menos que você perca, eu já perdi vários.
-Perder a eternidade? Nunca.
O adocicado do chicle era bonzinho, não podia dizer que era ótimo.E, ainda perplexa, encaminhávamos-nos para a escola.
-Acabou-se o docinho. E agora?
-Agora mastigue para sempre.
Assustei-me, não saberia dizer por quê. Comecei a mastigar e em breve tinha na boca aquele puxa-puxa cinzento de borracha que não tinha gosto de nada. Mastigava, mastigava. Mas me sentia contrafeita. Na verdade eu não estava gostando do gosto. E a vantagem de ser bala eterna me enchia de uma espécie de medo, como se tem diante da ideia de eternidade ou de infinito.
Eu não quis confessar que não estava á altura da eternidade. Que só me dava aflição. Enquanto isso, eu mastigava obedientemente, sem parar.
Até que não suportei mais, e, atravessando o portão da escola, dei um jeito de o chicle mastigado cair no chão de areia.
-Olha só o que me aconteceu!- Disse eu, em fingidos espanto e tristeza.- Agora não posso mastigar mais! A bala acabou!
-Já lhe disse- repetiu minha irmã- que ela não acaba nunca. Mas ás vezes a gente perde. Até de noite a gente pode ir mastigando, mas para não engolir no sono a gente prega o chicle na cama. Não fique triste, um dia lhe dou outro, e esse você não perderá.
Eu estava envergonhada diante da bondade de minha irmã, envergonhada diante da mentira que pregara dizendo que o chicle caíra da boca por acaso.
Mas aliviada. Sem o peso da eternidade sobre mim.
8A
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